Laís Bodanzky pede que setor audiovisual converse com estados e municípios

Após um painel que pretendeu discutir uma suposta fragilidade do cinema brasileiro diante de diferentes ondas político-econômicas e mudanças de conjuntura, o primeiro dia do Fórum da Mostra, braço da Mostra de Cinema de SP voltado às discussões do mercado, realizado nesta quarta, 23, encerrou com um painel que trouxe justamente o contraponto, debatendo o porquê do cinema brasileiro ser tão forte. Estiveram presentes na mesa Laís Bodanzky, cineasta e presidente da Spcine; Mariza Leão, produtora e fundadora da Morena Filmes; e Talita Arruda, diretora da Sessão Vitrine, projeto de lançamento coletivo da Vitrine Filmes.

É consenso entre as participantes do debate que se hoje podemos falar de um cinema brasileiro forte, isso é graças a políticas públicas passadas. "A gente nunca viveu uma época tão rica do audiovisual brasileiro como um todo, especialmente por conta de sua diversidade, que é fruto de uma política pública que dialogou com o setor. Não é acaso. Esse ano é resultado de um acúmulo de aprendizados e amadurecimento da indústria. E existe uma contradição: estamos com resultados efetivos tanto no lado econômico quanto no simbólico, mas nenhum reconhecimento e compreensão da importância da cultura por parte do governo", disse Laís Bodanzky. "Na última semana, exibimos 'A Vida Invisível', que é um filme que de fato tem potencial para disputar um Oscar. Mas foi como o Rodrigo Teixeira disse na abertura da Mostra: depois não venham nos dar parabéns. Precisamos estar juntos na alegria e na tristeza", acrescentou.

Mariza Leão afirmou que vem refletindo muito a respeito do porquê dessa força do cinema brasileiro: "Minha conclusão é que somos fortes porque nosso cinema sempre foi aliado dos melhores ideais desse país, ideais democráticos e de liberdade. Isso nos aproxima do povo de uma forma que ninguém pode destruir. Somos parte daquilo que é mais verdadeiro e forte na tradição do Brasil. Ciclos e governos vêm e vão e nós continuamos". A produtora concordou com Bodanzky no que diz respeito a estarmos colhendo bons frutos hoje graças a políticas anteriores: "Essa safra atual foi gestada lá atrás. Qualquer interrupção é brutal porque o processo entre a criação do projeto e o lançamento da obra é longo. Se paralisamos agora, veremos essa ruptura em 2021, 2022, 2023… E só produzir sem poder exibir também não adianta. É a castração máxima, e é sobre isso que temos de nos manifestar". E Leão completa: "Somos fortes porque somos inteligentes, não nos calamos e não temos medo de confrontar mentira, abuso de autoridade e tentativa de censura". Já Talita Arruda tem o seguinte ponto de vista: "Vivemos essa dualidade, ora nos achando frágeis, ora nos achando fortes. São desafios que vamos vencendo, mas é preciso pensar em novas estratégias para encarar a realidade. Nosso cinema é forte em sua pluralidade e o setor é mobilizado, sabe dessa força. Agora, todos os agentes precisam conversar de maneira fluente e consistente".

As profissionais demonstraram ainda preocupação com os impactos que essa crise terá na imagem do país lá fora. "Grande parte dos filmes brasileiros premiados em festivais são coproduções internacionais e nossos filmes são muito vendidos para outros mercados. Essa dinamização da vida deles é muito importante", ressalta Arruda. Para Bondanzky, os produtores estrangeiros ainda estão entendendo o que está acontecendo aqui e provavelmente ficarão mais receosos de fechar projetos de coprodução com o Brasil, o que para ela é "muito perigoso". Apesar disso, a cineasta faz uma crítica: "Eu acho que somos tímidos nessa coprodução internacional, exploramos pouco esse potencial. Por isso mesmo que não se pode interromper uma coisa que nem chegou ainda até onde tem capacidade de chegar. Temos que resolver nossas questões internas, sim, mas o internacional não pode parar. Um lado não pode paralisar para que o outro seja resolvido. A cadeia precisa de todas as pontas funcionando".

Leão, que estreia o filme "Depois a louca sou eu" na Mostra de Cinema de São Paulo, define o momento atual como uma grande interrogação. "Já temos produtoras despedindo pessoas e o desemprego na área surgindo. São Paulo ainda é um mercado à parte, mas no Rio, por exemplo, a situação é grave e cheia de indefinições. Elas não podem perdurar. Como nosso grande pulmão é o FSA, o cenário é de dúvida. Não tem, hoje, um produtor que não esteja questionando como atravessar os próximos meses, em relação a seus funcionários, projetos e planejamentos", afirmou. "Essa situação exige de nós um diálogo que se torne permanente, e não só entre nós, mas com o governo, em todas as suas instâncias. Hoje em dia temos que fazer esforços monumentais para dizer coisas óbvias. Mas nós faremos. Para mim, a palavra diálogo é tão preciosa. Pressupõe respeito. Nós temos que acreditar que podemos criar esse diálogo e não cair nas provocações do governo. Se entrarmos nesse jogo, iremos nos perder", alertou. A produtora fez ainda um lembrete: "No dia 4 de dezembro teremos uma audiência no STF para discutir censura – e isso pra mim é histórico. Então acredito nesses caminhos, nesse movimento da cultura em geral. Vamos estar lá, participando da audiência, e isso é fundamental. É diálogo!".

Dentro dessa temática, Bodanzky observa: "Não podemos falar em governo como uma massa única porque ele possui camadas. Além disso, precisamos entender uma premissa importante: política pública não pertence ao governo. O que é público pertence a nós. Temos de nos comportar compreendendo isso – reivindicando, pautando e lutando. Não podemos nos acomodar e nem terceirizar essa luta". Sobre os possíveis caminhos, a presidente da Spcine acredita que o diálogo deve acontecer neste momento especialmente em municípios e estados, "onde a conversa é mais rápida e frutífera do que com o governo federal". Mas ela elogia o setor: "A criação da Frente Parlamentar Mista do Audiovisual é um exemplo do que deve ser feito. O movimento se articulou no país inteiro de forma muito rápida. Agora, esse canal tem que ser muito usado, especialmente de forma regional. Cabe esse trabalho individual em cada região. A Frente tem que ser utilizada com inteligência e de forma apartidária".

"No fim das contas, a gente do audiovisual é teimoso, mas o povo brasileiro gosta a gente", garante Leão. "Ele ri conosco, chora, se emociona, aplaude. Nossa cultura é tão forte. Não tem como se extinguir", conclui. Arruda, por sua vez, reforça: "Estamos muito capacitados, é por isso que o setor não vai morrer. Quem está vindo aí para trabalhar com audiovisual tem tanta sede que ultrapassa esses governos. É claro que vamos sofrer, mas existe uma vivacidade muito presente". E Bondanzky encerra: "Nosso setor é politizado e organizado. A gente assusta, muitas vezes, porque reagimos muito rápido. É claro que temos discussões e brigas internas, mas lavamos a roupa suja dentro de casa. Quando nos apresentamos diante da sociedade e do governo somos muito unidos. É um movimento forte e muito potente. Isso sem falar na nossa força criativa. Não existe a possibilidade do audiovisual brasileiro acabar. Isso nunca passou pela minha cabeça".

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