Mudança na Lei do Cade pode facilitar práticas de fidelização

Uma emenda feita ao PLC 6/2010 (conhecido como Lei do Cade) pouco antes da votação realizada nessa quarta-feira, 1º, pelo Senado Federal pode gerar uma reviravolta nas regras que vigoram hoje no setor de telecomunicações com relação à fidelização dos consumidores. A emenda em questão foi sugerida pelo senador José Agripino (DEM/RN) e aceita de última hora pelo relator Francisco Dornelles (PP/RJ) por sugestão do senador Romero Jucá (PMDB/RR). O texto incluído retira a punição prevista às empresas que investirem na exclusividade de seus produtos. Ou seja, mesmo que as empresas adotem práticas anticompetitivas para tentar fortalecer a exclusividade de seus produtos no mercado, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) não poderá condená-las.
A emenda caiu como uma bomba nos escritórios de advocacia que trabalham na defesa antitruste. O entendimento dos advogados é que a medida é absolutamente contrária ao espírito da própria lei ao propor uma espécie de anistia às práticas que valorizam a exclusividade em confronto com a saudável concorrência comercial. "Essa emenda subverte toda a lógica da lei antitruste", analisa José Del Chiaro, renomado advogado da área concorrencial e conselheiro do Instituto Brasileiro de Estudos de Concorrência, Consumo e Comércio Internacional (Ibrac). "A emenda do Agripino é perversa e tem por intenção acabar com a concorrência."
Em princípio, a mudança feita na lei beneficiaria empresas que trabalham no varejo, tendo como negócio a oferta de produtos ao consumidor. No passado, grandes grupos foram condenados no Cade por usar a prática da exclusividade de forma anticompetitiva. Os casos mais famosos são os do grupo cervejeiro Ambev e da comerciante de tabaco Souza Cruz. Ambas são até hoje monitoradas por meio de Termos de Ajustamento de Conduta (TACs) pelo Cade na tentativa de impedir a retomada das políticas de venda exclusiva de produtos nos contratos com os varejistas.
Efeito em telecom
Mas outros setores econômicos também podem ser afetados pela mudança legal, até mesmo a prestação de serviço praticada pelas empresas de telecomunicações. O ponto em questão são os contratos de fidelização. Em última análise, os contratos de fidelização do cliente, executados especialmente pelas empresas de telefonia móvel do país, podem ser considerados uma espécie de investimento na exclusividade.
Pelas regras regulatórias em vigor, as operadoras só podem fidelizar os clientes pelo período de 12 meses. A fidelização funcionaria como uma contrapartida em favor da empresa pelo subsídio dado aos aparelhos nos planos adquiridos pelos clientes ou nos preços do serviço. Como há essa correlação entre a fidelização e o produto (aparelho celular) é bastante comum as empresas renovarem a fidelização toda vez que o cliente adquire promocionalmente um novo telefone celular. Mas essa prática pode, hoje, ser denunciada como uma ação anticompetitiva, caso alguma concorrente verifique abuso nessa "refidelização" da clientela.
Como esse mecanismo de venda acaba associando o cliente a um produto, em tese, a ressalva proposta pelo senador Agripino na Lei do Cade pode, no futuro, anular o regramento da Anatel sobre a fidelização. "Nesses contratos de fidelização, a operadora de telefonia vincula o seu consumidor ao aparelho. Portanto, essa prática também ficaria totalmente liberada caso a lei seja promulgada como está", analisou Del Chiaro.
Como foram feitas emendas no Senado, o PLC 6 voltará para a Câmara dos Deputados para nova votação. A expectativa dos advogados é que os deputados anulem ao menos a emenda feita por Agripino, preservando assim as regras que impedem o uso da exclusividade como uma prática de concentração vertical anticompetitiva pelas empresas que atuam no Brasil.
Exclusividade de programação
Outros setores também podem, em tese, ser afetados pela mudança na lei, caso ela seja mantida na Câmara. Recentemente, os contratos de exclusividade firmados entre as Organizações Globo e o Clube dos Treze, organização que congrega as maiores agremiações de futebol do país, foram questionados no sistema antitruste. Ao fim, o Cade entendeu que não havia abuso na prática em si, mas apenas em alguns artigos dos contratos, como o que dava direito de preferência à Globo nas concorrências pela transmissão dos jogos. O caso é simbólico para exemplificar que nem todos os contratos de exclusividade são necessariamente anticoncorrenciais.
Antes disso, a exclusividade dos canais SporTV também foi questionada no Cade e gerou um Termo de Compromisso de Cessação (TCC), em que a Globosat deixou de praticar a exclusividade dos canais mas acertou com o Cade um contrato padrão a ser oferecido ao mercado.

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui