A tão esperada maioridade

O encontro do 3º Congresso Brasileiro de Cinema acontecia em Porto Alegre em julho de 2000. Nele foram discutidas uma série de questões que iam desde o financiamento a produção nacional até a necessidade de regulação do mercado, passando pela formação, empregos, preservação etc.

Dezenas de demandas diziam respeito à regulação do mercado, como por exemplo no item 41 do documento gerado no evento "criar uma comissão permanente para coordenar a relação das emissoras de televisão com a produção independente"; no 4. "criar, no âmbito governamental, um órgão gestor da atividade cinematográfica no Brasil, com participação efetiva do setor e com finalidades amplas de ação como agente formulador de políticas e de informação, agente regulador e fiscalizador de toda a atividade e agente financeiro "; e no 42. "revisar em caráter de urgência a regulamentação da TV por assinatura."

Ao mesmo tempo o GEDIC – Grupo Executivo da Indústria Cinematográfica, era criado, também no ano 2000.

Durante um ano o GEDIC reuniu-se na Casa Civil, ouvindo os mais variados setores da indústria. Em sua composição tínhamos representação dos exibidores, distribuidores, produtores, diretores, TVs e dos diversos ministérios que lidam com questões relacionadas ao setor. Estávamos criando um Fundo de cerca de 4% sobre toda a comercialização dos espaços de publicidade das TVs.

Rsrsrs. Ledo engano. No dia anterior à entrega do projeto de lei ao Congresso Nacional soubemos de uma visita feita pelos lobbies das TVs que, sorrateiramente, na calada da noite de Brasília, pediam que o Projeto não fosse encaminhado.

Naquele momento do GEDIC, em que tínhamos um projeto de lei, que iria ao Congresso e que foi barrado pela força destes lobbies dos poderosos das comunicações, vi para que lado a porca torce o rabo.

Mas seguimos, com alguns prejuízos, e fizemos a Ancine em 6 de setembro de 2001. Mas calmaria? Jamais. E este foi um outro momento que me fez ver as ameaças sutis dos lobbies. Foi na discussão com as TVs pagas que queriam entrar na justiça por conta da Condecine 11%. Isto resultou no Artigo 39 da MP 2228-1

Muitos, hoje, acham que a Ancine estava ali, prontinha. Não, a Ancine é uma agência adolescente, ainda em construção, seus servidores, ainda em formação, mas já mostrando sua força técnica por meio de seus estudos, AIRs e outros instrumentos bases para a regulação do mercado. Sua importância nos processos de regulação de um mercado novo, onde o conteúdo é o que, afinal, mais vale, se tornou indispensável.

Hoje, as discussões em torno do vídeo por demanda mais parecem as discussões mantidas durante cinco anos até que se conseguisse finalmente a Lei 12.485/2011. E os lobbies ali, naquele momento funcionaram muito também. Mas muita coisa melhorou com a 12.485 – Lei da TV paga.

Este novo marco regulatório unificou as regras para as tecnologias de distribuição e criou o Serviço de Acesso Condicionado (SeAC) incluindo os canais pagos, abertos e obrigatórios, canais a lá carte; Canais Pay-Per-View, e agora o VOD (discussão que vem sendo mantida dentro da Ancine a partir do enquadramento do vídeo por demanda de mercado em " outros segmentos" conforme define a MP 2228-1,de 2001).

Ao criar cotas para conteúdos brasileiros e brasileiros independentes nos canais e pacotes oferecidos aos assinantes de TV paga e ao incrementar os recursos do FUNDO SETORIAL DO AUDIOVISUAL, em cerca de R$ 800 milhões/ano, abriu-se uma nova perspectiva para o Brasil se firmar como produtor mundial de conteúdos.

 A Lei 12.485/2011 aponta para o fortalecimento das produtoras independentes servindo como propulsora para a associação destas produtoras com emissoras e programadoras de TV. Induz a criação de novas programadoras brasileiras, dando atenção aos arranjos produtivos locais e regionais.

Por força desse novo instrumento legal foi criada uma nova demanda de no mínimo 2 mil horas por ano de produção audiovisual brasileira independente para preencher as cerca de 8 mil horas obrigatórias.

Hoje, mais do que nunca precisamos da Ancine. As conquistas até aqui foram difíceis, mas conseguimos.

As assinaturas da TV estão diminuindo, mas as de vídeo por demanda cada vez mais aumentam. Imagino que neste momento os lobbies estejam tão agressivos, quanto a agressividade das abelhas quando lhes queremos tirar o mel.

E quanto custa este mel?

A expansão de VOD tem atraído a entrada de diferentes tipos de players no mercado.

Tanto os grupos econômicos fortes de outros segmentos de mercado, que passaram a ofertar serviços no VOD (como as telecomunicações, ou grupos de TV) quanto grupos pequenos e independentes.

As operações no mercado audiovisual de hoje já se encontram na casa dos bilhões. No Brasil R$ 42,7 bilhões em receitas das empresas do setor, R$ 24,5 bilhões foi o valor adicionado na economia, R$ 2,12 bilhões foi o valor recolhido em impostos.

Este é o mel de nosso mercado, ainda mais se considerarmos a inclusão de boa fatia da sociedade que, com o 5 G, terá maior facilidade de acesso, estaremos falando de um mercado potencialmente muito maior.

Esse é o futuro

Talvez um dos piores problemas do mundo seja o desemprego. Hoje, sem pensar muito, já podemos prever que a maior parte dos empregos do futuro estarão ligados de alguma forma à tecnologia ou à produção de narrativas capazes de alimentar todas as áreas do futuro ócio das populações.

Com a chegada do 5G a velocidade de comunicação anunciada permitirá muito mais rapidez na conexão entre pessoas, negócios, enfim, no mundo.

Muito mais gente conectada e o mais interessante será a possibilidade de termos o início das cidades inteligentes onde tudo estará conectado. É a internet das coisas. Não há a menor dúvida de que em breve a construção civil utilizara mais e mais máquinas, diminuindo o número de vagas de trabalho. Isto já aconteceu e acontecerá cada vez mais. Assim como a indústria automobilística tende a ser cada vez mais automatizada.

E o que será esse futuro?

O mundo em 10 anos será outro mundo. Os Jetsons já não são mais o futuro. São o 'agora'.

Mas, onde estarão os empregos?   

Um mundo mais cheio de ócio? Um mundo conectado e buscando mais e mais informações? Mas as informações estarão disponíveis de que forma? Holografias? Pitágoras me explicando seu teorema. Chopin tocando seu piano. Beatles, de novo juntos, cantando no show que eu produzi para meus amigos.

Imagens, imagens, imagens de todas as formas. No mundo da tecnologia. Provavelmente nas telecomunicações, na robótica e na produção de conteúdos que ocuparão cada vez mais as frequências do 5G.

Segundo a PWC o Brasil em 2030 será a 5ª economia do mundo — US$ 7,540 trilhões.

Em 2017 as receitas no Brasil decorrentes do mercado de entretenimento já são US$ 34,9 bilhões. A estimativa para 2021 é de US$ 43,7 bilhões.  O Consumo de dados em dispositivos móveis é de 7 trilhões de megabytes em 2016 e deverá chegar a 24 trilhões de megabytes em 2021.

Em 2021 seremos 177 milhões de pessoas que deverão ser assinantes de internet móvel no país e 77% da utilização de dados deverá ser direcionada para assistir vídeos online.

Segundo a pesquisa da PwC, o segmento de conteúdos audiovisuais na internet se destaca entre os maiores nas projeções para 2021, com crescimento anual de 8,8%,

Afinal, os verbos mais característicos do ser humano moderno são: consumir e assistir.

Com o 5G para baixar um filme de longa-metragem serão necessários apenas 3,7 segundos. Com a oferta maciça de conteúdo, haverá uma rápida saturação, se ele não for muito diversificado. Esta é a chave. E assim creio que a oferta poderá ser muita, mas a originalidade é que será valorizada. O diferente, o exótico, o outro, o diferente de mim.

Se hoje já não temos fronteiras para que os produtos audiovisuais circulem, apenas as tecnológicas, amanhã elas já não existirão.

Como qualquer jogo de tabuleiro trata-se de conquistar espaço num mercado altamente concentrado e que o Brasil tem plena capacidade para tal. Em qualquer área da criação ou da tecnologia. Temos ilhas de excelência nas artes e na tecnologia. Com escolas se proliferando. E aí vêm todas as possibilidades e oportunidades para os jovens, inquietos e criativos por natureza. Se lhes dermos chão….

Falamos de jovens, mas porque também não-jovens que buscam a inclusão?

Uma das questões então que podemos nos colocar é: Como ocupar este mercado? Como enfrentar a indústria norte americana, hegemônica no mundo quase inteiro. Como preservar o espaço do Brasil neste mercado digital. Como estar dentro do ranking daqueles países que ocupam majoritariamente esse mercado?

Por meio da educação, da leitura, do estímulo à criatividade!

Mas também da regulação, da eliminação das assimetrias. E esta é a verdadeira importância da Agência Nacional de Cinema. Criar condições para que num novo mercado regulado surjam novos empreendedores se arriscando, sim, pois "cada filme é um protótipo", mas se arriscando num mercado regulado. Regulado de forma que haja verdadeira possibilidade de entrada dos nossos produtos no nosso próprio mercado, sem perda da propriedade, que será a moeda de troca do futuro.

Com cada vez mais tecnologia, mais tempo livre. O desafio será o que fazer com ele. E acredito que somente a criação será capaz de ocupar este novo ser humano do século XXI.

Simples, se olharmos as tendências para 2030:

As pessoas viverão mais e o mundo terá 8 bilhões de habitantes. Um bilhão de cérebros a mais para criar soluções. Os nativos digitais surgem, sem fronteiras, que querem gozar sem necessariamente ter e que não se atrelam ao trabalho formal. Nanotecnologia e robótica levarão a uma perda consistente de postos de trabalho, que não serão repostos. Nos países desenvolvidos, 25% dos empregados serão operacionais; 25% administrativos (tarefas executivas-intelectuais); e 50% realizarão atividades criativas. A invasão das tecnologias não vai suplantar a criatividade humana. A produção do saber será feita por muitos e transmitida para muitos. E isto não é otimismo utópico; é projeção de mercado.

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