Membro do CSC, Cíntia Domit Bittar defende uma regulação do VoD "à altura do Brasil"

(Foto: Waldemir Barreto/ Agência Senado)

Neste início de semana, o processo de regulamentação do VoD no Brasil ganhou novos desdobramentos. Na última segunda, 15, a Ancine manifestou-se à Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado Federal sobre a cobrança de Condecine das plataformas de streaming. O pedido de esclarecimento foi provocado pelo Senador Eduardo Gomes depois de ter surgido, na tramitação do PL 2.331/22, dúvida sobre como seriam enquadradas plataformas de vídeo que distribuem conteúdos gerados por usuários e criadores de conteúdo. 

Após a manifestação da Ancine, o tema voltou a ser discutido. Diversas entidades do audiovisual se manifestaram nesta terça, 16, apontando que o PL 2.331/22 não é unanimidade. Pelo contrário: as entidades apontam que a proposta ainda não atende ao interesses do País e que a tramitação não deveria seguir sem a participação da atual composição do Conselho Superior de Cinema. Para elas, a proposta em discussão no Senado contém "brechas perigosas", destinando recursos públicos para o financiamento de produções de empresas estrangeiras; recursos estes que deveriam desenvolver a indústria brasileira. Mas ainda nesta terça, 16, o Projeto de Lei foi aprovado na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado Federal. O projeto vai para a Câmara dos Deputados para ser cotejado com o PL 8.889/17, seguindo nova tramitação. A manifestação da Ancine acabou por dar um respaldo da área técnica do governo ao parecer de Eduardo Gomes.

Regras aprovadas

O texto aprovado determina a incidência de Condecine de 3% da receita bruta para todas as empresas de VoD em todas as modalidades – incluindo as receitas publicitárias das plataformas de compartilhamento, como o YouTube, conforme assegurou o parecer da Ancine – a depender da faixa de faturamento da empresa. O ponto de maior polêmica é que há a possibilidade de abaterem até 60% do valor devido a contribuição com aplicação direta de recursos equivalentes em projetos de capacitação e de preservação do setor audiovisual, em produção de conteúdo brasileiro em parceria com produtoras brasileiras independentes, na aquisição de direitos de licenciamento de conteúdo brasileiro de produtora brasileira independente e na implantação e manutenção de infraestrutura para a produção de conteúdos audiovisuais no Brasil. Mas podem ser deduzidos alguns custos operacionais. 

Análise do setor

"É claro que as plataformas têm seus interesses, mas o que está em jogo é o interesse do Brasil. Precisamos garantir que a regulação tenha como pilar fomentar, potencializar e fortalecer a indústria nacional. Proteger a nossa soberania e organizar esse mercado. E isso levando sempre em consideração o arcabouço legislativo que a gente já tem, que versa sobre o audiovisual", disse Cíntia Domit Bittar, realizadora audiovisual, parte da diretoria da API – Associação das Produtoras Independentes do Audiovisual Brasileiro e membro do Conselho Superior de Cinema do Ministério da Cultura, em entrevista para TELA VIVA. "Além disso, temos de entender que essa regulação não é uma questão unilateral, que deve beneficiar somente o setor, os artistas e quem faz cinema. Ela é importante para o público, para os brasileiros. Se a gente tiver uma boa regulação, o consumidor vai ter uma maior oferta de audiovisual brasileiro independente. É filme bom, séries boas chegando para a população. Não é sobre o setor – é de interesse do povo", ressaltou. 

Sobre a tese de que é melhor ter uma regulação logo e, posteriormente, trabalhar em ajustes para corrigir eventuais problemas, Bittar discorda: "Entendo que a indústria do entretenimento e da tecnologia estão em constante renovação, atualização e evolução. É claro que uma eventual regulação sofrerá novos ajustes ao longo dos anos. Mas dada a importância do nosso País, a dimensão cultural e econômica que o Brasil tem, eu vejo como muito importante que a gente saia da Câmara agora com uma regulação exemplar – para os outros países da América Latina, porque o Brasil é liderança, e para todos os demais países que ainda não começaram as suas regulações. O Brasil tem todas as condições de dar o exemplo. Precisamos de uma regulação à altura do nosso País". 

Nesse sentido, a produtora afirma que é preciso pensar em obrigações financeiras para as plataformas que sejam condizentes e coerentes com a relevância do País. "É inadmissível que se projete uma taxa de contribuição da Condecine menor do que países que são bem menos relevantes economicamente – porque culturalmente todos os países têm sua relevância – do que o Brasil. É importante prevalecer o princípio da coerência", declarou. Por isso ela tem receio dessa história de "regular e depois ajustar" e acredita ser cedo para adotar esse tipo de posicionamento. "Estamos agora na Câmara com as duas propostas e temos que trabalhar. Não é fazer uma mera lei de taxação, tributos e cotas. Não é só isso. Estamos falando de algo que impacta diretamente na nossa soberania nacional. É difícil porque temos uma urgência – há mais de uma década essas plataformas exploram nosso País sem nenhum tipo de norma – mas não devemos regular pela urgência. Não basta regular – tem que regular bem, e a favor da indústria brasileira do audiovisual e da sociedade como um todo". 

Valores de Condecine

E, falando em Condecine, o substitutivo do PL 2.331/22 tem como ponto crítico para o setor independente a questão da titularidade das obras realizadas com coproduções financiadas pelos recursos que poderiam ser recolhidos de Condecine. "Não podemos criar brechas para que dinheiro público subsidie plataformas bilionárias", disse o senador Humberto Costa (PT/PE), que pontuou ainda que "a simples parceria entre uma plataforma de VoD não deve ser considerada produção brasileira". Bittar endossou essa visão e falou sobre a importância de se ter claro o que exatamente é uma obra brasileira. "Para uma obra ser brasileira de fato, a propriedade intelectual dela tem que ser nossa, dos brasileiros", explicou. "Boa parte da Condecine estaria indo para financiar os 'originals' das plataformas – que, pela legislação, não são obras brasileiras. O recurso advindo da regulação precisa fomentar obras brasileiras independentes".

Além disso, ela chamou a atenção para o fato de que, nesse PL, a Condecine seria calculada depois de serem considerados vários outros descontos e impostos. Para a produtora, a Condecine deve ser cobrada sobre o faturamento bruto. "E não é um percentual alto", destacou. "As bets foram taxadas em 12%. Por que não podemos falar em 12% de Condecine? Entendo que é demanda de parte do setor ter essa isenção para fomento direto das plataformas nas obras brasileiras independentes, com direitos pertencentes às produtoras, mas não dá para colocar menos do que 6% inteiro, fechado, para o FSA – é no FSA que se dá o pensamento da real democratização do acesso ao fomento. Com o CSC e o Comitê Gestor, que vão pensar no que fazer com a Condecine". 

Conselho Superior como novo elemento

Bittar faz parte do Conselho Superior de Cinema e informou que o tema deve gerar manifestação do CSC. "A gente já vem conversando sobre o tema dentro do Conselho. Mas o Conselho tomou posse no final de outubro e nosso regimento interno foi aprovado recentemente. Acredito que agora, com o Conselho realmente efetivado, com regimento, a gente consiga se posicionar melhor nessa tramitação na Câmara. Inclusive porque o Conselho é a novidade nessa grande discussão. É fácil alegarem que já ouviram todo o setor, que chegou num momento em que todas as conversas foram realizadas. Mas é preciso considerar que há, sim, um elemento novo, que é o CSC. É no Conselho que se pensa a política para o audiovisual brasileiro, então é fundamental que ele participe. Espero que essa tramitação na Câmara envolva o Conselho". 

Demandas das entidades

A produtora também faz parte da diretoria da API (Associação das Produtoras Independentes do Audiovisual Brasileiro) – uma das entidades que assinam a carta divulgada nesta terça, 16 – e apontou que é papel das entidades comunicar para a sociedade o que está em jogo com essa regulação. "Agora, vamos entender como se dará de fato essa tramitação na Câmara, com dois projetos ali, ao mesmo tempo. A ideia é compreender o caminho lá dentro e frisar sempre que necessário nossos pontos principais, que são inegociáveis". Ela reforçou esses pontos: defesa da propriedade intelectual, obrigação financeira das plataformas coerente com a dimensão do País e cotas de catálogo (com proeminência). 

Bittar acrescentou outro ponto que acabou ficando de fora da carta oficial e que também é importante para as entidades: a prestação de informação por parte das plataformas, isto é, a divulgação dos dados. "A agência reguladora precisa ter acesso a esses dados. Isso também é um ponto crítico". 

Por fim, quando questionada se as entidades se sentem ouvidas no âmbito do legislativo, ela analisou: "Há uma diferença entre nos receber e nos ouvir e realmente efetivar nossas considerações. Foram realizadas audiências públicas e reuniões, mas os pontos cruciais que a gente vem defendendo ainda não estão refletidos nos relatórios. Nos ouvem, mas queremos ver esses pontos contemplados. E poderíamos pedir muito mais. Estamos pedindo o mínimo dentro da coerência que a gente espera que o Congresso pratique em respeito à soberania nacional. No momento, as propostas que tramitam ainda não contemplam todas as questões cruciais do setor". E acrescentou: "O setor aguarda com grande expectativa o novo relatório substitutivo do Deputado André Figueiredo, do PL 8889/17".

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