Marcas devem enxergar a análise de comportamento nas redes sociais como o novo focus group

O trabalho com as mídias sociais está indo muito além da medição de audiência – a recente medida adotada pelo Instagram, de ocultar o número de curtidas nas postagens, evidencia essa tendência. A audiência, hoje, é só a ponta do iceberg dentro de um ambiente onde é possível medir tudo, e obter muito mais informação sobre o seu consumidor do que quando ele está apenas ligado na TV, por exemplo, podendo ainda monitorar suas conversas e interferir nas mesmas. Foi sobre isso que especialistas em análise de dados e experiência do consumidor no digital debateram durante painel no SET Expo 2019 nesta terça-feira, 27 de agosto.

Rafael Kiso, fundador do mLabs e CDO na Focusnetworks, explica que as marcas devem enxergar seus clientes como promotores por meio das redes sociais: "O cliente é um nano influenciador. Na rede social, ele consegue exponenciar suas experiências. Todos nós, como consumidores, usamos nosso poder de mídia nesse ambiente social. Ali, todo mundo é mídia, sempre que compartilhamos algo estamos influenciando e atuando nesse papel, mostrando para novas pessoas, parecidas com a gente, nossas experiências. As redes sociais estão presente 24 horas por dia na vida das pessoas e, aqui, vale usar a antiga máxima da publicidade de estar onde a audiência está.". Kiso acredita que os clientes são os melhores nano influenciadores que as marcas podem ter. "Eles são consumidores reais, já estão no grupo de pessoas que essa marca quer estar e podem ajudá-las, fazendo essa função de espião. O futuro do digital é mais humano do que a gente pensa.", afirma.

Daniela Harumi, digital experience manager de social media da Telefônica, concorda que as redes sociais são um campo revelador para as marcas. "Dá para tirar muita coisa das opiniões que as pessoas despretensiosamente postam nas redes. É claro que é um trabalho complexo – as pessoas falam muito, sobre os assuntos mais variados – mas a quantidade de informações a respeito de determinada marca ou produto ali é gigante. Juntar esses dados agiliza os projetos de pesquisa dentro da empresa. É como se fosse o novo focus group, coisa que dava um trabalhão para organizar antigamente.", explica. Para Daniela, o maior ganho desse monitoramento desse ambiente é a velocidade que ele proporciona para as tomadas de decisões. "As pessoas deixam rastros de comportamento que nos ajudam a guiar o trabalho pelos próximos anos. Conseguimos identificar padrões, transformar em artigos e levar isso para a empresa, mexendo em novos negócios ou até voltando atrás em decisões já tomadas.", completa.

A Head of Data Intelligence e Social Listening da Focusnetworks, Luciana Maryllac, acrescenta que é complicado lidar com esse enorme volume de ocorrências nas redes sociais. "Nós atuamos com base em um plano de tags, isto é, estudamos nossos negócios, fazemos suposições e criamos hipósteses. A partir daí, vamos analisando o que foi falado nas redes para confirmar ou rebater as hipóteses que desenvolvemos. É conversar com o cliente para entender e enxergar oportunidades de negócios. Quando você faz esse plano de métricas e tags, o pool de oportunidades sai dali e já começa a ser executado em projetos reais.", garante. A Risqué, por exemplo, foi uma das primeiras marcas a adotar soluções com base no que o público estava comentando no ambiente digital. "Isso aconteceu mais ou menos em 2010, na época do boom dos blogs. As blogueiras especializadas em beleza e suas leitoras expressavam seu desejo por cores de esmalte mais diferentes, e a marca começou a trabalhar nessa solução.", conta.

Um dos cases que exemplifica como a análise de comportamento nas redes entrega feedbacks precisos e específicos às marcas é o do pão Artesano, da Pullman, no qual Kiso esteve envolvido diretamente – segundo o CDO, as mídias sociais foram fundamentais no lançamento do produto porque foram utilizadas de maneira eficiente em todos os estágios de campanha. Em primeiro lugar, a marca colocou o produto no radar do público por meio de vídeos curtos, de seis segundos – formato que permite a análise seguinte de quem assistiu até o final para que essa pessoa seja re-impactada num segundo momento – que mostravam o pão ao lado de ingredientes populares, como manteiga e geleia. Por meio da própria ferramenta do Facebook eles obtiveram dados sobre os maiores interessados no lançamento – foi identificado, por exemplo, boa aceitação entre veganos, apreciadores de bruschetta e vinhos e fãs de Nutella. "Com base nisso, criamos peças específicas para esses públicos, já desenvolvendo um posicionamento, apresentando nosso diferencial e ensinando os consumidores a apreciarem o produto da forma correta. Assim, futuramente, as chances de eles terem uma boa experiência e compartilhá-la nas redes são maiores. Nessa fase, contamos com influenciadores digitais especialistas em gastronomia. Influenciadores são de muita ajuda nessa fase de educar o consumidor a respeito do seu produto.", pontua.

Uma vez que o pão estava no mercado, o monitoramento seguiu acontecendo nas redes sociais e, logo no primeiro mês, foi identificado um problema de fabricação, graças aos comentários dos consumidores. "A massa estava mais úmida do que deveria – uma questão que até então não havia sido identificada em nenhum dos processos, nem na própria fábrica. Só descobrimos porque estávamos presentes na jornada do consumidor, monitorando o que estava sendo dito. Então, corrigimos e distribuímos uma nova leva de produtos.", conta Rafael. Outro ponto relevante do case é que o conceito criativo do comercial do produto que foi veiculado na televisão foi testado antes nas redes sociais. "No digital, testamos três versões diferentes, para então seguir com a que obteve melhores resultados na TV, apresentando assim uma campanha muito mais assertiva.", comemora. Kiso aponta ainda que essa mesma análise de comportamento pode ser usada para monitorar os lançamentos da concorrência também.

Edney Souza, diretor acadêmico da Digital House Brasil, no entanto, deixa um alerta: "Os dados devem te auxiliar a tomar decisões, e não tomá-las por você.". Para explicar seu ponto, Souza apresenta situações pelas quais todo mundo já passou: muitas vezes, ao utilizarmos o Waze, acabamos passando em uma via perigosa e costumamos falar "o Waze me jogou no lugar errado", ou ainda quando a Netflix nos recomenda uma série, nós confiamos que o aplicativo conhece nossos gostos e assistimos ao conteúdo. Mas, se não gostamos, culpamos a plataforma. "O algoritmo te apresenta sugestões, mas quem decide é você. Se o dado não está te ajudando a tomar decisões ou você está deixando que ele decida por você, então ele está sendo usado da maneira errada.", conclui.

Para finalizar, Maryllac conta que é frequentemente questionada sobre que cursos fazer ou em quais lugares trabalhar para entrar nesse mercado de análise de dados, mas explica que o caminho não é por aí: "Não depende só de estudar ou trabalhar, e sim de uma mudança de mindset. É necessário começar a olhar todos os planos de negócios a partir de um plano de métricas até que isso se torne natural.". Daniela complementa: "Acredito no processo colaborativo. Quem quer trabalhar com isso deve adotar um novo tipo de mentalidade e levá-lo para dentro das empresas, o que é mais complexo entre as grandes e mais tradicionais. O ideal é simplificar esse tema para que todos entendam e cheguem ao objetivo comum.".

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