Antes de exportar formatos originais, Brasil deve investir em desenvolvimento

Produtoras e players participaram do painel "Formatos originais com alcance global" nesta sexta-feira, dia 29 de abril, no Rio2C 2022, para responder a uma pergunta complexa: Por que o Brasil, um país criativo e dono de uma produção audiovisual consistente, ainda não é um potente exportador de formatos de conteúdo non-scripted? A resposta, para eles, passa pela necessidade de amadurecimento do mercado e de investir em desenvolvimento e em capacitação profissional. Outra questão sensível nesse sentido diz respeito aos direitos autorais desse formato – que no Brasil, ainda seguem, em maioria, pertencente aos players.  

"Acredito muito no mercado de não-ficção e estamos trabalhando para exportar formatos. Temos um potencial enorme, que parte do histórico do brasileiro como público apaixonado e forte consumidor de reality show – é só olhar para o prime time da nossa programação da TV e para o crescente investimento dos streamings, por exemplo. A forma de mudar o cenário atual é desenvolvendo mesmo, criando essa musculatura. Temos feito isso na Netflix. Recentemente, lançamos 'Ideias à Venda', com a Floresta, que é um formato original, e vemos muito potencial nele. Estamos aprendendo. Nos últimos meses, estamos desenvolvendo formatos originais e vamos produzir. Desenvolver, investir tempo e recursos para chegar no lugar que queremos. Quanto mais a gente produz, mais criamos experiência e treinamos nosso olhar para que, em breve, possamos exportar nossos formatos", declarou Elisa Chalfon, Gerente de Conteúdo de Não-Ficção da Netflix para o Brasil.

Eduardo Gaspar, VP de criação da Endemol Shine Brasil, também falou sobre a importância de fortalecer os processos de desenvolvimento: "Vejo que as empresas estão dando um enorme valor às etapas de desenvolvimento, o que é muito importante. A Endemol, apesar de ser uma casa produtora, também tem ideias originais e, portanto, esse objetivo de criar formatos. Temos observado cada vez mais no streaming esse investimento em desenvolvimento que não existia. Antes, tínhamos que chegar com a ideia totalmente estruturada. Mas às vezes temos só uma ideia – o formato em si é o desenvolvimento dessa ideia para que ela se torne um conteúdo. Uma boa ideia não é, necessariamente, um formato. Acho ainda que falta um trabalho de base, nas universidades, que não falam sobre essa criação de formato". 

Do ponto de vista de uma das grandes produtoras de conteúdo audiovisual do Brasil, que inclusive vem investindo fortemente nessa criação de formatos, Luísa Barbosa, diretora executiva de entretenimento da Conspiração, reforça a importância do desenvolvimento: "Essa etapa é muito importante porque partimos de uma ideia e, aí, conforme o projeto vai se desenvolvendo, toma um caminho ou outro. Cada projeto é específico e precisamos olhar cada um de forma individual. Esse é o primeiro passo para avançarmos como mercado. Temos trabalhado com essa lógica até mesmo na ficção. Esse desenvolvimento, junto com o canal, é essencial – nesse movimento, caminhamos juntos com o mesmo objetivo. Formatos muito conhecidos viram marcas, e temos o desafio de também transformar nossos projetos daqui em marcas". Nesse sentido, Luísa ressalta outro ponto fundamental: o investimento em marketing e divulgação. "Hoje, temos muitos conteúdos sendo lançados e muitas plataformas disponíveis ao consumidor. Para assistir ao seu produto, o público precisa primeiro saber que ele existe", pontuou. 

Única perspectiva de player da mesa, Elisa garantiu que, muitas vezes, a plataforma adora a ideia e quer muito fazer – aí, trabalha por meses nesse desenvolvimento mas, no fim, a coisa pode não dar certo e o contrato não vingar. "Pode acontecer de não chegarmos a um formato que seja bom e que, na nossa opinião, vá fazer com que a experiência da audiência seja positiva. Acho que o caminho é desenvolver mais e produzir menos – e tudo bem. Um produto pode não funcionar para Netflix mas, para outro player, sim. Faz parte do caminho de amadurecimento do mercado", explicou. 

Modelos de negócio e direito autoral 

O produtor Roberto D'Avila, da Moonshot Pictures, mediou o painel e trouxe à tona a questão sobre os direitos autorais. Porque conforme a executiva da Netflix falou, muitas vezes o player pode trabalhar no desenvolvimento do conteúdo e, no fim, decidir por não dar continuidade ao projeto. Nesse caso, fica a dúvida: a quem pertence a propriedade? Para Luisa, tudo parte de quem está investindo. "A gente, como uma produtora independente, uma vez que tenhamos como pagar, vamos investir e entrar numa conversa aberta com os canais sobre isso. É possível renovar projetos que não foram pra frente. Já aconteceu com obras de ficção. A lógica do mercado é a mesma. Se enxergarmos potencial, vamos investir para comprar, porque manter os direitos, para a produtora, é muito importante – mas é claro que falo isso do ponto de vista de uma produtora grande, e não são todas que conseguem fazer esse tipo investimento", enfatizou. 

Para Gaspar, o nosso mercado, nesse sentido, ainda está em desenvolvimento, pois não existe um modelo de negócio concreto, isto é, cada caso é um caso. Ao mesmo tempo, ele afirma que uma das coisas mais ricas é justamente essa possibilidade de não ser quadrado. "Estamos achando modelos que funcionem", disse. "Por sermos uma multinacional, nosso modelo de negócio acaba sendo diferente. Mas não existe um padrão, é algo desenvolvido com cada player. Existe uma busca por entender, nessa história de desenvolvimento de formatos, a questão dos direitos. E vejo uma evolução nesse sentido. Os players estão dispostos a sentar e conversar para achar um modelo que fique bom para todos", celebrou. 

Fortalecimento local antes da expansão global 

O painel visava discutir o porquê do Brasil ainda não comercializar pra fora formatos originais locais de não-ficção. Mas o executivo da Endemol questionou: "Por que, afinal, temos que internacionalizar nossos formatos?". Gaspar declarou que a prioridade tem que ser a boa performance do conteúdo no mercado brasileiro: "Se vai fazer sucesso lá fora, legal, mas temos um monte de barreiras antes disso. Tenho que contar minha história aqui, com os meus orçamentos. Nosso mercado de formatos originais ainda está em desenvolvimento, com as plataformas de streaming impulsionando essa produção. Somos gratos a isso. Mas estamos focados aqui, com o objetivo de que os brasileiros assistam aos nossos conteúdos, sintam o DNA do país neles e tenham orgulho". 

Ele prosseguiu: "Sem falar que não é fácil adaptar um formato que vem de fora e deixá-lo interessante para a audiência local. Acho quase um desrespeito com os criativos brasileiros bater nessa tecla de que a gente não exporta nada, que só pega o que vem de fora. Sendo que esse trabalho de pegar o que vem de fora é bem difícil. Precisamos respeitar os criadores brasileiros que fazem adaptação de formato. Meu mercado está aqui, quem paga minha conta é o Brasil. Se nossos conteúdos, via streaming, fazem sucesso globalmente, tem que ser consequência do sucesso que fazem aqui. Vamos fomentar e amadurecer nosso mercado para que amanhã a gente tenha formatos brasileiros fortes para exportar". 

Luisa lembra que o sucesso que o formato reality show faz no Brasil é justamente porque as pessoas se enxergam nesses conteúdos. "Temos elencos cada vez mais diversos, que realmente representam o Brasil e fazem as pessoas assistirem e se identificarem". E concordando com o ponto levantado por Gaspar, ela diz: "O nosso objetivo número um também é que o brasileiro consuma nossos conteúdos e conheça nossa marca. Por isso os projetos têm que ter a maior cara de Brasil o possível". 

Lições para o futuro 

"Antigamente, nem recebíamos projetos de formatos originais. É uma coisa muito nova, uma demanda que foi reforçada pelos streamings", acrescentou Elisa. "Não acho que desenvolvemos essa musculatura o suficiente. Temos espaço para crescer e uma demanda para isso. O momento é bom: o mercado está bem, elevamos nossa qualidade de entrega e de desenvolvimento e temos profissionais excelentes. Mas é uma jornada, concluiu a executiva da Netflix. 

Já Luisa, da Conspiração, volta a abordar a questão da capacitação: "Precisamos treinar gente cada vez mais. Diria que essa é uma grande prioridade, especialmente em não-ficção. Nosso foco para este ano é olhar para o mercado e treiná-lo, senão seguiremos dizendo que não estamos preparados". 

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