FNCP defende PL que autoriza Judiciário a bloquear sites e aplicativos que distribuem conteúdo ilegal

Uma nova carta será distribuída no Congresso Nacional defendendo projeto de lei que autoriza o Poder Judiciário a solicitar a provedor de conexão que bloqueie o acesso a sites que disponibilizem conteúdos ilegais na Internet, apresentado na CPI sobre crimes cibernéticos entregue no final de março. Desta vez, o documento é assinado pelo Fórum Nacional Contra a Pirataria e a Ilegalidade (FNCP), que rebate o que chama de "reducionismo" do debate por parte de entidades alinhadas a empresas de internet e do CGI (Comitê Gestor da Internet).

O documento anterior, vale lembrar, era assinado por 16 entidades, entre elas a ABPI-TV, a Apro, o Sicav, a UBV&G (União Brasileira de Video & Game) e a MPA (Motion Pictures Association). O FNCP conta com quase 30 associados, mas apenas dois diretamente ligados ao audiovisual, a ABTA (Associação Brasileira da TV por Assinatura) e a MPA.

A carta do FNCP concorda que as propostas apresentadas no âmbito da CPI implicam aumento da responsabilidade das empresas de internet e, consequentemente, de seus custos. No entanto, diz que "a manutenção intocada dessa posição confortável representaria uma distorção: enormes benefícios advindos do excepcional crescimento da Internet e da popularidade de seus produtos a troco de quase nenhuma responsabilidade".

Quanto à posição do CGI, o FNCP diz que há, dentro do próprio órgão, vozes que permanecem dissonantes, "mesmo sendo o CGI um órgão cuja composição conta, na sua porção empresarial, apenas com representantes do setor de tecnologia, inexistindo representação do setor de produção de conteúdo, a despeito de, já em 2013, 66% do tráfego da internet ser consumido com vídeo".

Veja a carta na íntegra:

NOTA SOBRE AS CRÍTICAS AO ANTEPROJETO DE BLOQUEIO DE SITES NO RELATÓRIO DA CPI DOS CRIMES CIBERNÉTICOS – UMA PONDERAÇÃO PARA ALÉM DO REDUCIONISMO

As mais importantes críticas ao anteprojeto de lei que propõe o bloqueio de sites e serviços ilegais via Poder Judiciário vieram de entidades alinhadas a empresas de internet e também do CGI – Comitê Gestor de Internet.

Quanto à atuação das primeiras, é legítimo que o setor de provimento de aplicações se organize de modo a defender seus interesses junto aos parlamentares e à opinião pública, uma vez que as propostas apresentadas no âmbito da CPI dos Crimes Cibernéticos implicam aumento da responsabilidade das empresas desse setor e, consequentemente, de seus custos, mas é também essencial que se possa traçar uma linha que separa verdadeiras preocupações com as liberdades fundamentais daquelas que se voltam exclusivamente à preservação de uma posição empresarial confortável para esse setor.

A manutenção intocada dessa posição confortável representaria uma distorção: enormes benefícios advindos do excepcional crescimento da Internet e da popularidade de seus produtos a troco de quase nenhuma responsabilidade.

Quanto à posição do CGI, é de extrema relevância consignar que o posicionamento da entidade, divulgado em 30 de março de 2016, não é consensual.

Há, dentro do próprio CGI, vozes que permanecem dissonantes, mesmo sendo o CGI um órgão cuja composição conta, na sua porção empresarial, apenas com representantes do setor de tecnologia, inexistindo representação do setor de produção de conteúdo, a despeito de, já em 2013, 66% do tráfego da internet ser consumido com vídeo . Trocando em miúdos: quem mais gera tráfego e conteúdo na internet não é consultado em suas decisões.

É indispensável que se busque uma maior participação do segmento de internet no combate aos ilícitos cometidos na rede. É nesse setor que se concentra a maior capacidade para ativamente contribuir para a construção de uma internet mais segura e detentora de mecanismos para coibir todos os tipos de ilícitos que nela se cometem – não com perfeição, uma vez que isso, mesmo no universo offline, é impossível, mas com uma distribuição mais justa de ônus e bônus a todos os atores interessados.

Nesse sentido, vimos trazer alguns esclarecimentos sobre as críticas que têm sido veiculadas para que o parlamento possa ter uma visão mais ponderada sobre o tema.

• Quais países implementam medidas semelhantes à proposta de bloqueio de sites, serviços e aplicações ilegais?

Atualmente, encontram-se em vigor bloqueios a mais de 400 sites e serviços considerados ilegais pelos judiciários de países como Austrália, Reino Unido, Áustria, Bélgica, Dinamarca, Finlândia, França, Grécia, Irlanda, Islândia, Itália, Portugal e Espanha.

• O bloqueio de websites e serviços pelo provedor de conexão traz riscos à liberdade de expressão?

A redação do anteprojeto acrescenta o parágrafo §4º ao artigo 9º. do Marco Civil da Internet com a seguinte redação: "Ordem judicial poderá determinar aos provedores de conexão bloqueio ao acesso a aplicações de internet por parte dos usuários, sempre que referida medida for implementada com a finalidade de coibir o acesso a serviços que, no curso do processo judicial, forem considerados ilegais."

A preocupação veiculada por entidades do setor de provimento de serviços de internet aponta que este artigo autorizaria o Poder Judiciário a emitir ordens de bloqueio a aplicativos como o Whatsapp e a sites como o Youtube, que dão voz legítima a milhões de usuários da rede. Trata-se de alarmismo infundado, uma vez que a cláusula se refere a aplicativos e serviços que forem considerados ilegais. Assim, se é verdade que os mencionados aplicativos por vezes servem ao cometimento de ilícitos, com os quais se pode lidar pontualmente, não são eles, em si, ilegais, o que os afasta da possibilidade de aplicação da norma.

Por outro lado, um aplicativo desenvolvido com a finalidade de compartilhar fotos de pedofilia, ou um website dedicado a gerar receitas a partir do oferecimento de obras musicais e audiovisuais sem a autorização dos autores são, sim, em si, serviços ilegais, e seu bloqueio, autorizado pela norma e por determinação judicial, impede o cometimento de ilícito em território brasileiro.

Eventuais interpretações judiciais infelizes, que coloquem a norma a serviço de uma diminuição da liberdade de expressão, podem e devem ser submetidas ao sistema recursal do Poder Judiciário que, como mostra o caso do Whatsapp, é sensível a esta questão.

• O bloqueio de websites e serviços pelo provedor de conexão traz riscos à neutralidade de rede?

O princípio da neutralidade de rede é uma construção internacional que busca impedir que a grande capacidade econômica de algumas empresas resulte em uma infraestrutura de internet que privilegia visibilidade a uns em detrimentos de outros. Concretamente, impede que, por exemplo, grandes empresas façam acordos com provedores de conexão para que seus serviços na internet desfrutem de uma infraestrutura melhor, mais rápida ou tratada prioritariamente, enquanto outras empresas, sem tanto poder econômico, recebem um serviço de infraestrutura menos robusto.

Vê-se que o conceito do princípio da neutralidade de rede nada tem a ver com a possibilidade de bloqueio de aplicações, sites e serviços que forem em si consideradas ilegais pelo Poder Judiciário. Trata-se, uma vez mais, de alarmismo infundado, voltado a impedir um aumento de responsabilidades do setor de provimento de serviços de internet.

• O bloqueio produz algum resultado útil para quem tem o seu direito violado?

Estudo publicado em 2015 pela Carneggie Mellon University , uma das instituições acadêmicas mais respeitadas do mundo, revelou que o bloqueio de 19 websites dedicados à pirataria audiovisual entre outubro e novembro de 2013 resultou em uma diminuição do número de acessos a esses websites em 80%, enquanto aumentou o consumo de serviços legais em 12% em média, chegando a um aumento de consumo legal de 23,6% no grupo que consome conteúdo online de maneira mais assídua.

• A alteração do Marco Civil implicaria, necessariamente, a necessidade de uma nova consulta pública?

As consultas públicas são um instrumento bastante importante para promover o debate acerca de legislação vindoura, mas, na verdade, existem como uma ferramenta para suprir a falta de mecanismos de interação entre sociedade civil e Poder Executivo quando a iniciativa legislativa parte desse poder.

O Congresso Nacional, por outro lado, em razão do desenho institucional que lhe é próprio, é o mais poroso dos poderes, pensado exatamente para que a interação com a sociedade civil, organizada ou não, aconteça corriqueira e constantemente. Prova disso é a condução da CPI dos Crimes Cibernéticos, realizada quase integralmente por meio de audiências públicas, transmitidas online por meio do portal da TV Câmara, e que não raro recebiam perguntas de internautas.

O relatório, apresentado publicamente antes de sua votação, permite à sociedade civil interagir com o parlamento para ver suas opiniões ali representadas, de modo que o debate dos anteprojetos alcança o mesmo nível de debate público que uma consulta, nos moldes das realizadas pelo Poder Executivo, alcançaria.

Para além deste tema, ressalte-se que a consulta pública não se encontra entre o rol de procedimentos obrigatórios do processo legislativo.

• O bloqueio implica censura?

Entre os 17 países acima mencionados como territórios que implementam medidas de bloqueio tais como a que se pretende adotar legislativamente no Brasil, 11 se encontram classificados nas duas faixas superiores do Ranking da Liberdade de Imprensa no Mundo em 2015, sendo que Finlândia, Dinamarca e Áustria ocupam, respectivamente, o primeiro, terceiro e sétimo lugar da lista na pesquisa realzada pela ONG Repórteres Sem Fronteira . Veja-se a tabela com as respectivas colocações:

País que implementa
bloqueios
Colocação no Ranking de
Liberdade de Imprensa – 2015
Finlândia 
Dinamarca 
Áustria 
Irlanda  11º
Bélgica  15º
Islândia  21º
Austrália  25º
Portugal  26º
Espanha  33º
França  38º
Grécia  91º
Brasil (que ainda não legislou o bloqueio) 99º

Logo vê-se que a implementação de mecanismos que possibilitam o combate às ilegalidades cometidas na rede não implicam, em absoluto, uma diminuição da liberdade de expressão ou de imprensa, e não representam a imposição de censura. Os países que adotam medidas de bloqueio servem como evidência.

Vale lembrar, igualmente, que a proposta de mecanismo de bloqueio se submete, NECESSARIAMENTE, À APRECIAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO, poder da República incumbido constitucionalmente da apreciação de conflitos. Eventuais abusos devem ser – e são – rechaçados pelo sistema recursal. O medo do abuso não deve impedir o uso lícito desses mecanismos.

A internet como a conhecemos hoje é formada por um conjunto enorme de atores, entre os quais se destacam não só as empresas de provimento de serviços de internet mas também, e especialmente, todo o segmento dedicado à criação do conteúdo que é acessado por meio da rede. Nenhum desses atores que se beneficiam da existência da rede deveria pretender se esquivar de seus deveres de construção de uma internet mais segura para seus usuários, nem da criação de mecanismos que permitem, de maneira geral, que a violação de direitos seja combatida. A Internet não pode ser o espaço da ilegalidade. É na direção desse equilíbrio que devemos todos trabalhar, longe dos maniqueísmos, e procurando convergências.

Edson Vismona
Presidente

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