Pós-pandemia terá modelo híbrido de produção, mesclando presencial e digital

Uma reflexão sobre as novas formas de criar, produzir e distribuir conteúdo descobertas na quarentena e os rumos dos eventos corporativos, lives e o dia a dia da produção audiovisual no pós-pandemia nortearam a conversa do último painel do segundo dia do Brasil Streaming nesta sexta-feira, 17 de julho. O evento, uma organização das publicações TELETIME e TELA VIVA, foi realizado de forma 100% virtual nesta edição. 

Participaram da mesa representantes de canais de TV, realizadores de eventos, profissionais da educação e empresários de tecnologia e marketing – todas áreas que tiveram suas práticas de trabalho impactadas com a chegada da pandemia e, a partir daí, precisaram, em diferentes medidas, reinventarem seus processos. Como abordado anteriormente por este noticiário, os canais da TV paga, por exemplo, não pararam suas produções e, logo de início, investiram em novos formatos e projetos inovadores, a fim de manter a frequência de estreias. Roger Carlomagno, diretor de produção e desenvolvimento da ViacomCBS no Brasil, afirmou que a Viacom sempre utilizou muito o streaming – em uma de suas principais propriedades, o reality "De Férias com o Ex Brasil", da MTV, já era prática fazer lives pós-episódios, por exemplo. Para ele, o grupo vê o streaming como uma ferramenta de produção de conteúdo, e não como de alcance. "O que tivemos que aprender com a chegada da pandemia foi a produção remota. No começo, subestimamos o processo, achamos que seria fácil. Mas cada experiência nos traz um aprendizado e um perrengue novo. A produção remota demanda muito e no mesmo sentido da produção tradicional. Passamos por dificuldades que nem imaginávamos", contou. Entre os tais desafios enfrentados, estiveram problemas com sinal de internet e o fato de que nem todos os envolvidos lidam fácil com tecnologia. "Tem gente que não sabe sincronizar um fone bluetooth, por exemplo", cita Carlomagno.

Júlio Worcman, fundador do Canal Curta!, também já navegava bem no meio do streaming antes da chegada da pandemia – em 2002, ele esteve à frente do lançamento do Porta-Curtas, site de streaming gratuito de curta-metragem, e, pouco tempo depois, do Curta na Escola, que oferecia documentários com potencial complementar às aulas dos ensinos infantil, fundamental e médio. Só então nasceu o canal da Pay TV. Mais tarde, em março de 2018, surgiu uma nova plataforma desenvolvida por Worcman, a Tamanduá.TV, streaming de produções documentais. Com a pandemia, seus resultados dispararam: as assinaturas da plataforma cresceram 620% e, os números de acesso e usuários únicos, em mais de 500%. Entre as ações que eles adotaram especificamente para o período esteve a distribuição de cupons de uso gratuito dos documentários pra educação para professores, de modo a ajudá-los com as aulas remotas. E como além dos documentários o Curta! ainda conta com conteúdo jornalístico, o canal também precisou encarar a produção remota. Para isso, lançou mão de algumas novas práticas, como envio de equipamentos profissionais para a casa das pessoas, como microfones, e treinamento prévio com os entrevistados.

Nesse contexto em que as pessoas não podiam mais sair de casa e todo tipo de evento passou a ser realizado de maneira virtual, algumas empresas se destacaram – como a Mediastream, que já opera nesse segmento há dez anos, tendo o streaming no core do grupo. "Já vínhamos notando um crescimento do streaming na parte dos eventos, mas sempre como ferramenta de ampliar o alcance e complementar os eventos presenciais", explicou o CEO, Marco Lopes. "O que mudou com a pandemia foi a completa impossibilidade de realizar os eventos de forma presencial. Então, nossos clientes começaram a aceitar o modelo remoto. Entre abril e junho, produzimos quatro vezes mais eventos no comparativo com o mesmo período do ano passado. Vencemos uma barreira importante do mercado: convencer que o streaming é relevante e capaz de manter os negócios rodando", comemorou. Apesar de já trabalhar bem nesse meio, a Mediastream também precisou fazer algumas adaptações para atender às novas demandas, como a criação de um ambiente de "cloud protection", que garante que, se a internet de alguém que está transmitindo uma live cair, a transmissão continue. Lopes diz que a qualidade de produção sempre foi uma preocupação do grupo e que, para que ela fosse mantida, a Mediastream fez novas contratações e investiram em tecnologias que suportassem o aumento no tráfego deste tipo de conteúdo.

Outra área que precisou se reinventar diante da pandemia foi a educação – desde o ensino infantil até os cursos de MBA e pós-graduação, os estudantes pararam de frequentar aulas presenciais e seguiram apenas com a forma remota. Roberto Stecca, gerente de sistemas da Cogna Educação, pontuou que o streaming e a educação à distância não são novidade, mas que o ensino presencial ainda é muito mais presente – portanto, fazer essa migração foi um enorme desafio, tanto pela quantidade de aulas (atualmente, o grupo comanda 400 mil aulas online por mês), quanto pela qualidade das mesmas, além da velocidade – foram apenas algumas semanas até colocar tudo no ar. Entre as dificuldades enfrentadas, Stecca cita os processos de estruturar, organizar e colocar todas as aulas em uma agenda; a recepção do conteúdo, tendo em vista que alunos e professores têm dispositivos e condições de redes diferentes, além de mais ou menos facilidade de operar plataformas; e manter a interação típica de uma sala de aula presencial viva também no online.

O especialista Álvaro Pacheco, da Pipeline Capital, apontou algumas problemáticas dos novos formatos de produção que surgiram ou cresceram no contexto da pandemia – como as lives: "É uma boa ferramenta, mas tem desafios, como manter o editorial de um conteúdo gravado no ao vivo, com qualidade de produção, e manter a interação com o público que você não está vendo. Vemos artistas que simplesmente abrem a câmera e performam, sem os cuidados que o meio do streaming pede. Não é só copiar o que era presencial no virtual. Tem que respeitar as regras e entender a dinâmica desse ambiente se quiser atingir o mesmo resultado".

Novo normal ou de volta ao normal?

Como bem definiu Carlomagno, não sabemos o que, como e nem quando será o pós-pandemia. E justamente por isso é difícil fazer planos. Ainda assim, já é possível identificar quais práticas chegaram para ficar e quais questões ainda precisam ser ajustadas neste cenário em que reuniões presenciais e grandes aglomerações ainda parecem uma realidade distante. Como exemplo, o diretor da ViacomCBS cita o episódio da coletiva de imprensa virtual feita para lançar a recente temporada do "De Férias com o Ex", da MTV – se antes o canal estava habituado a realizar uma grande festa, com a presença dos participantes, jornalistas, convidados e talentos, neste ano a solução foi uma conferência online. Com o novo formato, foi possível contar com a participação de Tiago Worcman, VP sênior e executivo da MTV, Paramount Channel e Comedy Central, que fica baseado nos EUA, além de pessoas de diferentes estados do Brasil. "Podemos conectar pessoas de diferentes lugares do Brasil e até do mundo – esse é o tipo de experiência que acho que fica. Já quebramos uma barreira. Não precisamos mais trazer convidados de fora e mandar uma equipe até outras locações. São novas possibilidades que funcionam", afirma. Com a quarentena e as práticas de produção remota, os telespectadores ficaram mais acostumados a ver conteúdos tipo lives da internet na televisão. Para Worcman, do Curta!, a mudança é positiva: "O espectador vê aquilo e pensa 'eu poderia fazer isso também'. É um conteúdo mais natural, que pode gerar mais identificação".

Mas com tantas lives e shows gratuitos transmitidos via streaming ou redes sociais, será que as pessoas vão se acostumar a não pagar nada para ter acesso ao entretenimento? Para Pacheco, a resposta é não. "É uma questão de tempo até as pessoas perceberem que nada é mesmo de graça. O que não custa nada não tem valor, ou vale pouco. Existe uma diferença enorme entre aquele conteúdo que já conhecemos como premium, isto é, que envolveu uma curadoria e um trabalho editorial por trás. Está no estabelecimento natural de valor", explica. Para ele, não se trata de analisar somente os formatos, e sim os conteúdos. "Se o storytelling do produto é bom, seja ele jornalístico ou dramático, a forma não importa tanto", define.

Na educação, o processo é mais complexo – de acordo com Stecca, o segmento demora para criar novas práticas e adotar novas tecnologias na operação. "Nesse processo, aprendi que a transformação digital é muito mais uma mudança social do que tecnológica. Não é algo que se planeja, programa, define e aí põe para funcionar. É um caminho a ser percorrido de forma mais natural", analisa. O profissional ainda diz que não acredita em uma mudança radical para o meio digital em questão de dois ou três meses, mas que os investimentos feitos nesse sentido não serão jogados fora. "As demandas já existiam, mas elas não eram atendidas porque as empresas não estavam dispostas a fazer esses investimentos. Agora, estamos nos organizando para ser híbridos – nem totalmente de um jeito, nem de outro. Teremos opções para passear entre o mundo presencial e o virtual", opina. Entre as melhorias que estão feitas para tornar as aulas online ainda mais efetivas, está o desenvolvimento de uma tecnologia de reconhecimento facial dos alunos para entender se eles estão interessados, se estão de fato na frente da câmera ou se estão fazendo outra coisa enquanto assistem as aulas. Para Stecca, não se trata de uma medida apenas para compelir o estudante a prestar atenção na aula, mas também para que a qualidade daquele produto seja melhorada.

Lopes aposta em um futuro semelhante ao apresentado por Stecca: "A pandemia fez a gente dar um salto triplo em questão de transformação digital, mudando a maneira que trabalhamos, estudamos, nos comunicamos e mantemos nossos negócios. Conseguimos criar uma cultura em outro patamar digital, então acredito em um residual. O conforto e a conveniência do digital não serão perdidos". Por fim, o executivo ainda ressalta como vantagem dos conteúdos digitais a medição completa de conteúdo, que identifica exatamente os números e o perfil da audiência.

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