Cineasta nomeada para o CSC afirma que FSA precisa de "revolução" na composição e na formação de políticas

Cíntia Domit Bittar (Foto: Daniel Becker)

No dia 11 de outubro, foi publicada no Diário Oficial a Portaria 1.125/2023 do Ministério da Cultura, nomeando o Conselho Superior de Cinema. Os titulares serão empossados nesta sexta-feira, dia 27 de outubro, e terão mandato de dois anos. A nomeação saiu em um momento no qual o setor audiovisual já estava bastante crítico em relação à sua demora, uma vez que a definição do CSC impacta diretamente em outras indicações fundamentais, como a formação do Comitê Gestor do Fundo Setorial. 

Uma das titulares é Cíntia Domit Bittar. Cineasta e sócia da Novelo Filmes, ela faz parte da diretoria da API – Associação das Produtoras Independentes do Audiovisual Brasileiro, é vice-presidente do Santacine, o Sindicato da Indústria Audiovisual de Santa Catarina, e integrante do +Mulheres Lideranças no Audiovisual Brasileiro. Cíntia tem atuação relevante no setor, especialmente diante de pautas relacionadas à descentralização de recursos e igualdade de gênero no mercado. 

Em entrevista exclusiva para TELA VIVA, ela ressaltou justamente a inédita paridade de gêneros na composição do Conselho Superior de Cinema: "Creio que isso impacta e inspira a sociedade de uma forma geral, pois se trata de uma instância do governo brasileiro. Termos um MinC com a Ministra Margareth Menezes e a Secretária Joelma Gonzaga foi decisivo nessa estratégia que busca equidade no setor e no país como um todo. Com esta configuração, certamente as questões de gênero no audiovisual serão pauta, com o intuito de diminuir a desigualdade, combater o assédio e promover oportunidades para o audiovisual que é liderado por mulheres". 

Cíntia ainda pontuou: "Lembrando que pensar em mulher é também pensar em mães, em crianças, em quem cuida. Também é preciso considerar as espectadoras, mulheres idosas, adultas, adolescentes e crianças, promovendo o acesso. Mas ainda sobre a formação… É claro que não basta ser mulher, é preciso ser comprometida com a luta feminista antirracista, a favor da diversidade e da democratização. E quero dizer que sinto muito orgulho das mulheres nomeadas". 

Diversidade regional 

Além da paridade de gêneros, o novo CSC traz também representantes de todas as regiões do país. Como uma nomeada da região Sul, Cíntia analisou: "É a primeira vez que uma pessoa de Santa Catarina é nomeada para representar o setor no Conselho Superior de Cinema. Agora temos eu, como titular, mais Luiza Lins e Alfredo Manevy como suplentes. Então essa formação é histórica sob muitos aspectos. Dito isso, acho não só fundamental, mas muito coerente que tenhamos diversidade regional no CSC. E acredito que as pessoas nomeadas, inclusive de Rio e de São Paulo, também pensam assim". 

Reformular políticas que são concentradoras quando deveriam promover a descentralização é uma das agendas mais sensíveis para Cíntia. Sendo natural do Sul, ela integra a macrorregião chamada FAMES, que reúne os estados do Sul (Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul) além de Minas Gerais e Espírito Santo. "É uma região que luta desde 2015 para fixar o mínimo de 20% do fomento para esses estados que, juntos, poderiam estar pleiteando tranquilamente 25%, dados os números da própria Ancine. É uma luta que está de pé, buscando fixar esse mínimo de 20% não só no investimento financeiro dos editais, mas também nos Marcos Regulatórios em tramitação, como as cotas de telas e a regulação do streaming, nos quesitos investimento, cotas de catálogo e proeminência", defendeu. "Fiquei muito feliz por ver mais pessoas do FAMES nomeadas, assim como do CONNE. E feliz por meus colegas de Rio e São Paulo. Há diversidade também racial, de conhecimento, práticas, perfis de realização, idade, orientação sexual… A diversidade só tem a enriquecer nosso audiovisual, culturalmente, socialmente e economicamente também", acrescentou. 

Marcos regulatórios e Comitê Gestor do FSA como prioridades 

Os marcos regulatórios que ela citou – como regulação do streaming, cotas de telas e fomento à cultura – são exatamente os pontos que a nomeada acredita que o CSC deva tratar como prioridade. "Os dois primeiros incidem diretamente na questão da soberania nacional e da valorização da produção independente, enquanto o terceiro impacta na democratização e desburocratização do fomento nas instâncias federal, distrital, estadual e municipal", avaliou. 

Para Cíntia, as indicações para o Comitê Gestor do Fundo Setorial do Audiovisual também são prioridade máxima: "Aí, na minha opinião, precisa ocorrer uma revolução, tanto na composição quanto na formulação das políticas, que ainda carregam a concepção concentradora e aniquiladora do desmonte. Falo bastante sobre descentralização, mas é preciso compreender que essa descentralização também transcende as divisas de demarcação dos estados, convertendo-se em desconcentração. A verdade é que as 'pequenas' produtoras foram imensamente prejudicadas nos últimos anos. Muitas deixaram inclusive de inscrever projetos nas Chamadas Públicas, pois tinham certeza da desclassificação automática na primeira filtragem, ainda baseada em critérios objetivos de capacidade gerencial e desempenho comercial, veja bem, em salas de cinema – logo num país que está sem cotas de tela e que viveu uma das piores manifestações da pandemia da Covid-19 do mundo", relembrou. 

Os curtas-metragens e a classificação de nível da Ancine 

Ela enfatizou ainda que curtas-metragens "não valem nada" para a atual política em vigor, que precisa ser reformulada, assim como a classificação de nível da Ancine. "E isso acontece justamente num momento em que cineastas consagradas e consagrados lançam curtas inéditos nos festivais e serviços de streaming, reconhecendo o formato como uma expressão cinematográfica legítima e potente". 

A realizadora esclarece que chamou de pequenas entre aspas porque são geralmente essas produtoras que mais contribuem para a internacionalização do cinema brasileiro, realizando coproduções e colecionando seleções e prêmios nos principais festivais do mundo. "Concomitante a tudo isso, precisamos informar melhor a sociedade brasileira sobre o nosso setor, combatendo o desconhecimento e a guerra cultural calculada que se instaurou e demoniza a arte e a cultura na mente de parte da população", salientou. 

Histórico 

A primeira atuação como conselheira de Cíntia foi no Conselho Municipal de Política Cultural de Florianópolis. "Guardadas as devidas proporções, foi ali que eu aprendi muito sobre política cultural em geral e tomei impulso para ocupar cargos à frente de grandes entidades", afirmou. "Construí minha trajetória na política baseada no diálogo, na transparência e na agilidade de resposta. E não é que sou demagoga. É que são pontos que eu sei que me ajudam e protegem, pois dessa forma nunca estarei sozinha. E nem quero, pois realmente acredito na coletividade, ou não trabalharia com audiovisual, não seria diretora, nem produtora. Eu trabalho melhor em equipe e é muito importante que as equipes sejam boas e equilibradas, como as nomeações para o CSC demonstraram".  

Por fim, Cíntia olha para o futuro e reflete: "Não quero que ninguém passe o que eu e minhas sócias passamos nos últimos anos – nós, que nos formamos em Cinema em pleno auge da retomada, com o FSA recém-criado. Meu desejo é que consigamos construir bases mais sólidas para o nosso setor, evitando que próximas gerações sofram com tentativas de desmonte como nós sofremos. E quero muito que consigamos construir marcos regulatórios que dialoguem não só com o presente, mas com o futuro". 

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui