À frente da Spcine, Viviane Ferreira afirma que principal objetivo é atrair recursos para o setor

Viviane Ferreira é advogada, ativista e cineasta brasileira. Fundadora da Odun Filmes, empresa produtora vocacionada para o audiovisual identitário, e uma das fundadoras e ex-presidenta da APAN (Associação de Profissionais do Audiovisual Negro), ela ganhou ainda mais destaque no cenário audiovisual nacional no último ano ao ser eleita presidente do Comitê Brasileiro de Seleção do Oscar 2021 e também ao criar a Plataforma Raio (Rede Audiovisual de Inclusão Orquestrada), da qual encontra-se devidamente licenciada das atividades uma vez que, em fevereiro último, assumiu o cargo de diretora-presidente da Spcine, empresa paulista de desenvolvimento do audiovisual, ocupando a posição que era de Laís Bodanzky há dois anos. Em sua atuação no cinema, Ferreira é a segunda mulher negra brasileira a dirigir um filme de longa-metragem, "Um Dia com Jerusa" (a primeira foi Adélia Sampaio, em 1983, com "Amor Maldito"). E seu curta "O Dia de Jerusa" (2014), estrelado por Léa Garcia, foi exibido na mostra Short Film Corner do Festival de Cannes. 

Em entrevista exclusiva para TELA VIVA, Ferreira fala sobre  seus principais objetivos e metas à frente da Spcine: "Considerando o cenário asfixiado que o audiovisual nacional tem enfrentado em função da crise política federal, é imperativo que o nosso principal objetivo seja atrair recursos para o setor, buscando garantir a meta de manter o audiovisual paulistano arejado, produtivo e dialogando com parcerias no Brasil e no mundo". 

Diversidade e identidade de gênero e raça 

Com um histórico de trabalho vocacionado para o audiovisual identitário, sendo fundadora da Odun Filmes e uma das fundadoras da APAN, onde também atuou como presidenta, a diretora afirma que não será necessário levar questões relacionadas à identidade de raça para o trabalho na Spcine, uma vez que elas já fazem parte do cotidiano da empresa. "Tenho a tranquilidade de chegar na Spcine e encontrar uma estrutura que já dialoga cotidianamente com as políticas de ações afirmativas, reconhecendo inclusive o quanto essas são rentáveis e estruturantes ao desenvolvimento econômico do setor. Tive a possibilidade, na qualidade de presidente da APAN, de participar dos fóruns de escuta ao setor, nutridos pelas gestões anteriores da Spcine, especificamente as de Alfredo Manevy e Laís Bodanzky, e contribuir com o que está consolidado em políticas de ações afirmativas na Spcine hoje", contou. 

"Como toda política pública, as políticas de ações afirmativas precisarão ser cotidianamente avaliadas e aprimoradas para melhor atender a sua razão de existência, com uma observação atenta à garantia de equidade de gênero e raça no setor audiovisual, possibilitando um maior desenvolvimento econômico para toda cadeia produtiva", acrescentou. 

Recentemente, Ferreira presidiu o Comitê de Seleção do Oscar 2021. Entre os curtas e longas qualificados para a premiação, estavam muitos trabalhos de diretoras mulheres – inclusive o próprio longa escolhido para representar o Brasil na disputa, "Babenco – Alguém tem que ouvir o coração e dizer: parou", de Bárbara Paz. Diante desse dado, ela avalia: "Primeiro, é preciso reconhecermos que todas as obras qualificadas para concorrer apresentam uma qualidades técnica, estética e  narrativa inquestionáveis. Depois, reconhecemos que o setor audiovisual brasileiro assumiu o quanto é desagregador insistir em práticas excludentes, abrindo mão de produções e talentos identitários, em nome de uma aliança falida com os machismos e racismos. Como mulher, avalio esse dado de maneira esperançosa, crendo que no audiovisual nacional há espaço para toda pluralidade brasileira e não devemos ter vergonha de compartilhar isso com o mundo". 

Ainda falando sobre gênero, o audiovisual nacional tem uma série de obras de altíssima qualidade dirigidas por mulheres, mas elas ainda são minoria no setor, especialmente nos cargos de direção e criatividade. Nesse sentido, Ferreira comenta: "Sabemos que a iniquidade é resultado da forma como o machismo e o racismo operam estruturalmente também no setor audiovisual. E os caminhos para equilibrarmos essa equação é exatamente reconhecermos a existência do problema sem dissimulação ou "cinismo social", além de entendermos e aplicarmos as politicas de ações afirmativas de maneira coordenada em várias esferas do campo audiovisual — governos, mercados, festivais, entidades e etc — e  garantirmos cada vez mais o acesso das mulheres aos espaços de tomada de decisão". 

Impacto da pandemia no setor audiovisual 

Tanto para homens quanto mulheres profissionais do audiovisual o último ano foi extremamente difícil, com a chegada da pandemia de Covid-19 prejudicando ainda mais um setor que já vinha enfrentando problemas com seus fundos setoriais e a relação com o Governo Federal. No entanto, a visão da diretora é otimista: "A crise sanitária tem exigido do setor um profundo senso de responsabilidade e há muita energia e esforços investidos no desenvolvimento de um protocolo de atuação durante a pandemia, que vai além de uma vigília constante do cenário. Este estado de alerta tem proporcionado muita solidariedade, generosidade, coragem e criatividade para passarmos por tudo isso o mais rápido possível e podermos, pouco a pouco, ir retomando às atividades totalmente". 

Ela também reforça a importância da vacina: "A expectativa é que o plano de vacinação tenha sucesso e a população possa estar segura e vacinada — consequentemente os profissionais e estruturas do audiovisual liberados para retomarem suas atividades —, mesmo que isso só possa acontecer em plenitude em meados do segundo semestre". 

Talentos audiovisuais x Oportunidades de trabalho 

Por fim, Ferreira reflete sobre a realidade do audiovisual nacional na qual talentos diversos muitas vezes não encontram oportunidades de trabalho e as equipes seguem sendo sempre as mesmas. "Um dos principais valores que estrutura o setor audiovisual é a 'confiança', então é preciso confiar que a entrega será feita no prazo. Para isso, precisamos garantir uma equipe que entregue aquilo que lhe compete. Com a justificativa da confiança muitas equipes se repetem historicamente, e um número significativo de produções ficam na fila esperando 'aquela equipe' estar disponível. Um setor que se propõe atuante em escala industrial não pode permanecer na lógica do represamento de oportunidades", declara. 

Sobre possíveis caminhos para mudar esse cenário, ela aponta: "É preciso substituir a 'confiança no time de amigos' pela confiança da qualidade técnica dos profissionais, e assim, as pessoas que já desfrutam de espaço no setor vão poder trabalhar cada vez mais ao lado de novos talentos, desfrutando da riqueza criativa proporcionada pelo encontro entre diferentes perspectivas. Pouco a pouco, o setor audiovisual brasileiro tem demonstrado que está compreendendo e apostando no frescor desse caminho". 

Ao longo do mês de março, TELA VIVA celebra o Dia Internacional da Mulher e presta uma homenagem às mulheres de destaque no cenário audiovisual nacional. Acompanhe as próximas entrevistas e confira as anteriores já disponíveis no site.

Errata: Ao contrário do que foi informado anteriormente, Viviane Ferreira não é CEO da Plataforma Raio.

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