Os principais insights do Rio2C para o setor

Rio2C 2023 (Foto: Divulgação)

Na última semana, o Rio de Janeiro recebeu mais uma edição do Rio2C, um dos maiores eventos de criatividade da América Latina com uma intensa agenda de painéis e debates em torno de temáticas como audiovisual, cultura, sustentabilidade, música, tecnologia e publicidade, entre outras. TELA VIVA esteve presente acompanhando as pautas relacionadas ao mercado audiovisual e traz aqui os principais insights do evento. 

Presença e participação ativa do poder público 

Um dos destaques da programação deste ano foi a participação do poder público. A Ancine, após destravar o Fundo Setorial do Audiovisual, volta a ter presença mais ativa nos encontros de produção. No Rio2C, o diretor-presidente Alex Braga e os diretores Tiago Mafra e Vinicius Clay falaram nos painéis e apresentaram uma visão otimista do futuro do audiovisual nacional. Braga, garantiu que 2023 será o ano com o maior volume de investimentos na produção brasileira. "Incentivo, infraestrutura e regulação é o nosso tripé de atuação. 2023 vai ser o ano do audiovisual e só vai perder para 2024, que vai perder para 2025. A trajetória agora é de crescimento", declarou. 

A volta do Ministério da Cultura, vista com otimismo no setor, também resultou em uma reaproximação com o poder público, abrindo espaço para demandar prioridade nas pautas mais urgentes. Márcio Tavares dos Santos, secretário executivo da pasta, e Marcos Souza, secretário de Direitos Autorais e Intelectuais, comandaram um painel no Rio2C e afirmaram que o momento é de fortalecer a cultura brasileira, a economia criativa, o audiovisual e as artes para termos "uma agenda positiva após quatro anos de destruição". 

Na ausência de Joelma Gonzaga, secretária do Audiovisual, que não compareceu por motivos de saúde, o secretário Marcos Souza apresentou algumas questões próprias da Secretaria do Audiovisual. Em sua fala, ele explicou que a SAV foi estruturada em duas diretorias: fomento e preservação. 

A SAV tem como objetivo investir R$109 milhões em editais para 2023 – editais estes voltados para desenvolvimento, produção, distribuição, formação, games, animação, preservação e para entrantes no mercado. Além disso, em termos de agenda regulatória, a Secretaria vai conduzir trabalhos em torno da regulação do VOD, para a retomada ou recriação da cota de tela em cinema e pela renovação da cota de tela da Lei do SeAC. 

Direitos para os titulares de obras audiovisuais 

Este foi um tema presente em diversos debates ao longo do evento. Se por um lado o boom das plataformas de streaming internacionais chegando ao Brasil e aumentando consideravelmente as demandas de trabalho das produtoras independentes é algo extremamente positivo, por outro, fica a preocupação de que as produtoras estejam agindo apenas como prestadoras de serviço, uma vez que trabalham para terceiros e, no fim, ficam sem os direitos de propriedade sobre as obras. 

No painel do MinC, por exemplo, o tema foi comentado pelo Secretario de Direitos Autorais e Intelectuais, Marcos Souza. "Entre as nossas prioridades para este ano – não que se conclua tudo ainda este ano, mas vamos trabalhar nisso – está assegurar o direito de exibição pública para titulares de obras audiovisuais", anunciou. "Hoje, quando um filme, série, novela, qualquer obra audiovisual é exibida em uma janela, a parte musical recebe na ponta pelas obras musicais que estão inseridas ali. No entanto, os titulares da obra audiovisual propriamente – diretor, roteirista, atores e atrizes, produtores – não têm hoje esse mesmo direito assegurado. A lei, então, contém um desequilíbrio nesse campo da exploração da obra e uma dissonância com a legislação de outros países que possuem a mesma tradição jurídica que o Brasil. Está ocorrendo um fenômeno de obras audiovisuais brasileiras exibidas no exterior – países recolhem esses direitos mas, muitas vezes, não repassam, porque aqui no Brasil não temos isso garantido na lei. Essa é uma luta que vamos levar. Vai ser complexa e vai demandar união do setor como um todo. Mas já estamos conversando com associações para levar adiante uma proposta no Congresso Nacional", explicou. 

Em relação à regulação do VOD – assunto que está em debate há anos e que, aparentemente, está mais próximo de uma conclusão – também é consenso entre os produtores que a preservação dos direitos para o fortalecimento da indústria nacional deve ser o ponto-chave nesse processo de regulação. 

Leonardo Edde, presidente do SICAV, vice-presidente da FIRJAN e produtor e sócio-fundador da Urca Filmes, enfatizou essa importância: "A chave de leitura deve ser: queremos desenvolver uma indústria brasileira, incluindo nossas empresas e criadores, que sejam autenticamente brasileiros e representem o país e que consigam se sustentar nessa indústria? Se sim, precisamos ter nossas propriedades intelectuais preservadas, com o direito de fazermos o que quisermos com elas. O que temos hoje, nesse segmento, é uma indústria de serviços. E tudo bem – queremos, inclusive, ampliar essa indústria de serviços. Mas uma das nossas principais falhas de mercado talvez seja a diferença de poder econômico entre os stakeholders. Por isso é uma excelente oportunidade de regularmos esse mercado e reduzirmos essa falha. Regulações devem ser indutoras do desenvolvimento econômico, mas ele não é sustentável só pela regulação. A Lei 12.485 é um exemplo que deve ser modernizado. VOD é evolução, outro mercado, e tem que ser estudado à parte. Mas usá-la como retrovisor é muito importante". Tanto ele quanto Mafra, diretor da Ancine, que também participou da mesa, concordaram que a discussão em torno dessa regulação precisa ser feita em cima de dados e análises – e a Ancine já está se movimentando nesse sentido, a fim de ter referências para, a partir daí, produzir ferramentas regulatórias que dão conta desse segmento. 

No streaming: presença feminina, novelas e produções de não-ficção 

Grandes plataformas de streaming têm comandado importantes painéis no Rio2C – são sempre apresentações grandiosas, com trailers inéditos de produções que ainda serão lançadas e participação de talentos e de executivos das empresas. Nesse sentido, vale ressaltar o quanto a presença feminina em posições de liderança já é uma realidade nessas plataformas. O time de cabeças da Netflix, por exemplo, conta com sete mulheres: Elizabetta Zenatti, vice-presidente de Conteúdo da Netflix Brasil; Haná Vaisman, diretora de séries de ficção; Cláudia Alves, gerente de desenvolvimento de talento criativo; Elisa Chalfon, diretora de não-ficção; Aline Lourena, gerente de filmes; Alessandra Casolari, diretora de pós-produção; e Samantha Santos, diretora de produção. Já o time da Warner Bros Discovery – embora inclua aí canais de TV, não somente streaming – é encabeçado por Mônica Pimentel, vice-presidente de conteúdo, e conta ainda com Verônica Villa, head de desenvolvimento unscripted Brasil; Adriana Cechetti, head de conteúdo de produções unscripted Brasil; Monica Albuquerque, head de gestão de talentos e desenvolvimento de conteúdos scripted Latam; e Livia Ghelli, head de Kids & Family Brasil. E o Prime Video, por sua vez, tem Malu Miranda como head de conteúdo original brasileiro para Amazon Studios. 

Entre os diversos conteúdos apresentados na lista de próximos projetos das plataformas, destacam-se as novelas – Warner Bros Discovery já está com cinco projetos para a América Latina no formato, com destaque para "Beleza Fatal", que tem no elenco Murilo Rosa e Camila Pitanga, que também atua como produtora. O texto é de Raphael Montes com supervisão de Silvio de Abreu. 

"O núcleo de novelas é uma prioridade grande da empresa – já temos cinco roteiros finalizados na América Latina. Depois de 'Beleza Fatal', o próximo projeto é o remake de 'Dona Beija', com produção da Floresta. E esse é só o começo. Vamos produzir no México, na Colômbia e na Argentina também. É uma nova oportunidade de intercâmbio de conteúdos não só entre autores, mas também de elenco, que pode trafegar por todo esse universo", disse Monica Albuquerque. 

Já a Netflix anunciou "Pedaço de Mim", nome ainda provisório de sua primeira novela original. A obra conta com roteiro de Angela Chaves e direção de Maurício Farias e será protagonizada por Juliana Paes e Vladimir Britcha.

Entre várias outras produções, destacam-se também as de não-ficção, como reality shows e séries documentais, especialmente de true crime. Entre os reality, as principais novidades são "Ilhados com a Sogra" e a terceira temporada de "Casamento às Cegas: Brasil", da Netflix; e as versões brasileiras de "Muquiranas" e "Quilos Mortais", da Warner Bros Discovery. Já entre as produções documentais, a Netflix prepara uma série sobre a cantora Luisa Sonza. E a WBD, que está investindo bastante em true crime e adaptação de formatos, anunciou um projeto sobre o caso do menino Henry Borel, que faleceu em 2021, aos quatro anos, vítima de um crime hediondo, e a série "Massacre na Escola", sobre a tragédia em uma escola de Realengo, em 2011, na qual 12 adolescentes, de 13 a 16 anos, foram mortos a tiros. 

Em paralelo, o Prime Video sinalizou o desejo de produzir mais filmes nacionais – formato que suas concorrentes já têm bem forte nos catálogos. O serviço vai lançar "O Primeiro Natal do Mundo", estrelado por Ingrid Guimarães, Lázaro Ramos e Fabiana Karla, dirigido por Susana Garcia e Gigi Soares e produzido pela Camisa Listrada, e a franquia de filmes "Um Ano Inesquecível", baseada no livro de contos homônimo que é assinado por quatro autoras brasileiras: Paula Pimenta, Babi Dewet, Bruna Vieira e Thalita Rebouças. Nosso primeiro filme foi 'Filho da Mãe', uma homenagem ao legado de Paulo Gustavo, e queremos fazer muito mais. Estamos trabalhando com cineastas consagrados, diretores promissores e até talentos estreantes. Só porque nunca fez antes, não significa que a Amazon não irá contratar. Queremos filmes! Esse é o foco para este ano", anunciou Malu Miranda. 

Vale dizer que a Globo, com o Globoplay, também está investindo bastante em produções originais – no caso do grupo, todas em parceria com canais, como é o caso de "Let Love", programa sobre relacionamentos comandando por Sabrina Sato e João Vicente, que estreia no segundo semestre no Multishow e no Globoplay; "The Taste Brasil", que volta ao Brasil no GNT e no Globoplay, em uma parceria com a Moonshot, com lançamento no segundo semestre do ano; e "Vicky e a Musa", o primeiro musical dos Estúdios Globo com versões para o Globoplay e para o canal Gloob, que celebra o poder da transformação da arte. 

Bilheteria dos cinemas ainda preocupa o setor 

Por fim, ressaltamos ainda as discussões em torno da volta do público aos cinemas no pós-pandemia, que apareceram em diferentes painéis do evento, sempre com o tom de preocupação. Executivos de produção, distribuição, exibição e comunicação comandaram a mesa "O futuro do cinema e como qualificar a experiência cinematográfica", onde falaram sobre a importância de oferecer ao público nos cinemas uma experiência que ele não conseguiria ter em casa. 

"No pós-pandemia, apostamos na ideia de que ir ao cinema é ter uma experiência coletiva. Nós trabalhamos com tecnologia, conforto, beleza, mas o mais importante é o conceito de que 'aqui você encontra sua tribo'. Queremos esse coletivo, atrair as pessoas a saírem de casa", afirmou Monica Portella é diretora de marketing da UCI Cinemas. "O papel da distribuição é trabalhar, fomentar, buscar audiências e as experiências inesquecíveis. Para filmes grandes, pequenos, e especialmente os brasileiros. Vamos buscar e resgatar essas audiências naquilo que é único para cada um", avaliou Camila Pacheco, diretora executiva de marketing Brasil/Latam da Sony Pictures. 

O painel "RioFilme apresenta: desafios e propostas para as políticas de fomento para o audiovisual carioca" também trouxe uma série de falar sobre o assunto, reforçando que, se o cinema em geral perdeu bastante audiência no pós-pandemia, para o cinema nacional a situação foi ainda pior, com uma queda expressiva de market share: em 2021, o número foi de 1,7%; em 2022, aumentou um pouco, chegando a 4,2% – mesmo com o lançamento de cerca de 200 longas brasileiros inéditos. Além disso, nenhum título alcançou um milhão de espectadores desde a pandemia.

"A regulação do mercado é uma necessidade. Hoje, o Brasil está abandonado, não há regulação em nenhuma instância. E somos um país que produz muito, e muito bem. Mercado é exibir nossos conteúdos para as pessoas, atingir o povo. É levar a imagem brasileira para o povo brasileiro. O mercado está um quintal – por isso, quando chega um blockbuster americano, todas as salas colocam o mesmo filme. Não tem ninguém impedindo de fazer isso. Não tem como ter marketshare, presença de mercado e formação de plateia se o seu produto não chega na ponta final. É uma questão grave. A política pública não pode financiar o produto e não garantir acesso ao mercado", destacou a produtora Glaucia Camargos. 

"Hoje, poucos distribuidores enxergam a sala de cinema como uma fonte de recursos. O modelo de lançamento em cinema se confundiu com o pré-licenciamento para streaming de uma forma prejudicial. O jogo inverteu. Cinema virou vitrine simbólica. Precisamos encontrar maneiras de que esse investimento privado retorne – e não é só substituir por investimento público. É mitigar os riscos para que voltem a investir. É um desafio que precisa ser dialogado com o mercado", completou Mauricio Hirata, diretor de investimentos da RioFilme. 

Cota de tela, investimentos em distribuição e divulgação, preços promocionais e promoção de eventos, como festivais e mostras, são algumas das principais medidas sugeridas. 

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